Um conjunto de decisões proferidas em pelo menos três processos afetados sob o Regime de “Recurso Especial Repetitivo” no Superior Tribunal de Justiça causará um impacto terrível contra os consumidores. Isso mesmo, contra os consumidores.

Sou crédulo da importância do Poder Judiciário, de sua lisura e transparência, afinal se não acreditasse, abandonaria a Advocacia, mas o referido conjunto de decisões proferidas nos REsp 1.551951/SP, 1.551.956/SP e 1.599.511/SP causou espanto.
Referidos Recursos Especiais foram destacados para que as decisões neles proferidas reverberassem em todos os demais processos em trâmite perante o Judiciário dos Estados da Federação, que se encontravam com julgamentos suspensos desde o ano passado.
Neles se discutia a legalidade da cobrança da Comissão de Corretagem e da Taxa SATI dos consumidores, além de se definir o prazo de prescrição das ações para restituição de valores indevidamente cobrados a esses títulos e a legitimidade para que as Construtoras e Incorporadoras integrarem o pólo passivo dessas ações.
Começando pela análise da Legitimidade Passiva das Construtoras e Incorporadoras (REsp 1.551.951/SP), concluo que andou bem o Superior Tribunal de Justiça. Validou as decisões que os Tribunais Estaduais já vinham assentando, de que se trata de Relação de Consumo e, portanto, cabe a regra da Solidariedade e da Responsabilidade Objetiva.
Porém, o REsp 1.551.956/SP, que decidiu a questão da Prescrição a pretensão de restituição dos valores cobrados indevidamente do Consumidor, revelou um absurdo. O Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, que inovadoramente movimentou o STJ convocando uma audiência pública para ouvir os segmentos interessados no julgamento (e que inclusive, no seu voto, se disse favorável à tese dos Consumidores – 10 anos de prescrição), utilizou uma tese, lançada no julgamento do REsp 1.360.969/RS (que ainda não havia sido sequer publicada!!!), para unificar o entendimento do STJ, fixando a prescrição em 3 anos, com base no art. 206, § 3º, IV do Código Civil – Enriquecimento sem Causa. Esse julgamento tomado de “empréstimo”, tratava da restituição de valores cobrados a mais por Operadoras de Planos de Saúde de seus Consumidores (também questionável esse prazo, mas isso não vem ao caso aqui – o que importa é que o tema não coincide com o discutido nesses autos).
Andou mal o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino. Essa tese interessa às Construtoras e Incorporadoras e Empresas de Negociação Imobiliária.
No meu ver, e no veredicto de grande parcela dos Juristas, Advogados e Juízes que conhecem o Direito do Consumidor, reconhecer o Enriquecimento Indevido, sem causa, como fundamento do pedido de restituição de Comissão de Corretagem indevidamente imputada ao Consumidor e Taxa SATI indevidamente imputada ao Consumidor, é consagrar o entendimento de que o serviço de Corretagem e da dita Assessoria Técnica Imobiliária (serviço que justifica a cobrança da Taxa SATI) são indevidos ou ilegais. Os serviços, em si, não são ilegais, ao contrário, a Comissão de Corretagem, inclusive, tem amparo legal no Código Civil e na legislação que regulamenta a atividade dos Corretores de Imóveis. De outro lado, a taxa SATI, se comprovada a efetiva prestação de serviço e a garantia de liberdade do consumidor contratá-lo, ou não, revela a eventual legitimidade da sua cobrança.
Portanto, ao nosso humilde ver, a decisão não foi acertada. E de quebra, derrubou milhares de ações em trânsito no Judiciário, que largamente vinha aplicando a tese de prescrição de 10 anos, regra geral quando não há prazos específicos.
Mas o pior de tudo foi o resultado do julgamento do REsp 1.599.511/SP, que reconheceu a “validade da cláusula contratual que transfere ao consumidor a obrigação de pagar a comissão de corretagem, desde que previamente informado o preço total da aquisição da unidade autônoma, com destaque do valor da comissão de corretagem”. Aqui, há um contrassenso: reconheceu aqui a legitimidade dos serviços, o que foi tido por ilegítimo no julgamento do REsp 1.551.956/SP, que fixou o entendimento de que se trata de enriquecimento sem causa… Então, se são legítimos os serviços do corretor, o prazo prescricional não deveria ser de 3 anos…
Afora isso, não enfrentou como deveria a tese da “Venda Casada”, argumento defendido em milhares de ações em trâmite no Judiciário. Há que se lembrar que os julgamentos, todos, reconheceram tratar-se de relação de consumo, o que é inexorável. Por isso, então, sendo relação de consumo, os contratos ou quaisquer termos firmados entre as partes, são típicos contratos ou documentos de adesão, nos quais a liberdade de opção do consumidor é absolutamente restrita (ou assina o contrato ou não assina, não há como escolher ou recusar a imposição de pagamento de uma parcela, ainda que indevida).
A questão vai além de se tratar de uma cláusula válida num contrato. Trata-se de um contrato inválido, abusivo, ainda que contenha a cláusula, porque, ainda que seja informado acerca da obrigação de suportar a comissão de corretagem, o consumidor foi submetido a uma imposição, contratar um serviço (ou suportar seu pagamento) por imposição do fornecedor, o que é prática abusiva (art. 39, I ou IV do Código de Defesa do Consumidor).
Perdeu o STJ uma excelente oportunidade de demonstrar sua força e capacidade de regular as relações de consumo e do grande e importante papel de se realizar Audiências Públicas, como a de que participei em 09 de maio p.p.. Nela, um debate de alto nível técnico jurídico foi realizado, com a colaboração de iminentes juristas. Mas ao tomar por empréstimo uma decisão de um processo em que não tinha nenhuma relação com o caso em julgamento (me refiro ao REsp 1.360.969/RS – que tratava das cobranças indevidas em correção de mensalidade em planos de saúde), contaminou-se o entendimento que poderia, efetivamente, ter trazido justiça para milhares de consumidores, vítimas de práticas abusivas perpetradas no mercado imobiliário.

Alexandro Rudolfo de Souza Guirão a.guirao@localhost

Advogado – Militante da Defesa do Consumidor

Ex-Diretor do Procon Municipal de São Caetano do Sul/SP