Acredito que muitos dos nossos leitores tenha acompanhado no noticiário global, especialmente, as repercussões de uma reportagem sobre o que se convencionou chamar de “Máfia das Prósteses”.

O jornalístico iniciou a abordagem do tema em Janeiro deste ano, alertando para um suposto “esquema” de vantagens indevidas envolvendo empresas de prótese e órtese, médicos, hospitais e mais recentemente noticiou a ação da polícia, prendendo suspeitos de integrar a referida “máfia”.
O que mais nos importa aqui é analisar o contexto jurídico da pretensão que vem sendo manifestada pelos órgãos políticos, especialmente, acerca do tema.
Uma CPI foi criada na Câmara dos Deputados e já teve até seu relatório finalizado. Nela, episódios esdrúxulos de acusação e de abuso praticado por deputados contra os empresários chamados a depor revelaram um desvio de finalidade e, mesmo, uma falta de nexo e sentido na criação dessa comissão. Afinal, o mercado de Próteses e Órteses é um mercado livre, exceto no que pertine à questão da qualidade dos produtos e serviços (que são médicos), regulado pela ANVISA.
De outro lado, o Senado Federal, por intermédio da Senadora Ana Amélia (PP-RS – Estado em que as reportagens jornalísticas foram iniciadas), está analisando um Projeto de Lei do Senado (PLS) de nº 17/2015, que é confuso. No preâmbulo anuncia a intenção de “regular” o mercado de próteses e órteses; de outro, nas justificativas da Senadora, fala em “intervenção governamental no desequilibrado mercado de OPME…”.
Que perigo!
A Constituição da República, no seu art. 1º, anuncia a Livre Iniciativa como FUNDAMENTO do Estado Brasileiro. De outro lado, é objetivo do Estado Brasileiro a garantia do desenvolvimento econômico. Conjugando-se essas duas informações, desenvolveu-se a teoria de que a intervenção é um poder do Estado, mas que deve ser medido. Resulta no Princípio da Intervenção Mínima.
Ainda na Constituição da República, a livre iniciativa é uma das garantias da Ordem Econômica.
Como já dito, embora não seja absoluta a garantia da Livre Iniciativa, já que o Estado tem autorização constitucional para praticar a intervenção na iniciativa privada, devem, porém, ser respeitados alguns limites. O Estado intervirá, ainda que regulando o mercado, somente quando necessário e em decorrência de alguns eventos previstos:
– imperativos da segurança nacional
– relevante interesse coletivo e
– quando houver definição legal.
Portanto, a intervenção do Estado na ordem econômica prima pela manutenção da dignidade humana, servindo de instrumento para a sua concretização.
Sendo assim, até onde se sabe, o Estado Brasileiro não intervirá de forma direta nesse mercado, quer dizer, não será agente econômico; não irá passar a vender órteses e próteses. Mas pretende intervir de forma indireta, regulando o mercado.
A pergunta que faço é: esse mercado já não é regulado, naquilo que se pode regular?
Respondo eu mesmo: a qualidade dos produtos e serviços médicos já é objeto de regulação pelo Estado Brasileiro, no interesse coletivo e de garantia da saúde pública e individual, tudo isso a cargo da ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária.
Nenhum produto desse mercado pode ser implantado no paciente sem antes passar pela Regulação do Mercado, que avaliza qualidade do produto, o não oferecimento de risco para a saúde pública e individual, impondo a rastreabilidade das mercadorias comercializadas pelas empresas do setor por 20 anos.
Portanto, o que se pode regular, que é de interesse coletivo, já está regulado. Bem ou mal, com as dificuldades que a Regulação de Mercados apresenta, esse mercado já tem o devido controle do que pode ser controlado.
Mais do que isso é exagero, para não falar ilegal ou inconstitucional.
O próprio mercado se auto regula. A ABRAIDI – Associação Brasileira de Importadores e Distribuidores de Implantes recentemente lançou Programa de Integridade e de auto regulação chamado “Acordo Setorial Ética Saúde”, que já vinha sendo desenhado antes mesmo das denúncias jornalísticas.
Portanto, causa espanto e receio a discussão politizada acerca da intervenção ou regulação do mercado, pois em se tratando de mercados livres, ainda que a livre iniciativa possa ser subjugada diante de interesses nacionais, não entendo que seja o caso aqui, pois o Estado tem que saber seu lugar: garantir o desenvolvimento econômico e nacional e não reprimir o crescimento de mercados.

Alexandro Rudolfo de Souza Guirão – advogado e sócio do escritório Guirão Advogados – a.guirao@localhost